PÂNICO AO MOLHAR A CABEÇA
PÂNICO AO MOLHAR A CABEÇA
Quando a alma carrega a memória da dor
Em mais de trinta anos de atuação clínica e pesquisa terapêutica em comunidades do interior do Brasil, tive contato com inúmeros relatos de fobias relacionadas à água: medo de nadar em rios, receio de mergulhar no mar, aversão a cachoeiras. Contudo, entre todos os casos que me foram apresentados, um em especial me marcou profundamente: o de um homem adulto que entrava em pânico ao molhar a cabeça sob o chuveiro.
Um encontro improvável com o trauma
Durante uma das minhas peregrinações pelas cidades do interior do Rio de Janeiro e Minas Gerais ? onde costumava me estabelecer por semanas ou meses, oferecendo atendimento terapêutico enquanto conduzia observações sobre o comportamento emocional das pessoas do interior ? fui acolhido por uma médica que generosamente cedeu uma sala em sua clínica.
Com o tempo, conheci sua família: marido e três filhos encantadores. Aos poucos, construímos uma relação de confiança, afeto e respeito mútuo. Foi nesse contexto que fui convidado a passar um fim de semana com eles em seu sítio ? uma propriedade bucólica e bem cuidada, repleta de animais, hortas e árvores frutíferas.
Na manhã de sábado, após um passeio pela propriedade, nos dirigimos à piscina. As crianças, animadas, convidaram-me para entrar na água. Aceitei com alegria e, após um breve mergulho, atravessei a piscina nadando por baixo d'água.
Ao emergir, notei algo estranho. O pai das crianças estava sentado no chão, visivelmente em crise, com as mãos na cabeça e expressão de pânico. As crianças, serenas, disseram:
? "Ele sempre fica assim quando alguém mergulha."
O medo que o chuveiro revelava
Mais tarde, já em clima mais reservado, a esposa confidenciou-me que o marido sequer conseguia tomar banho sozinho. Não fechava os olhos, nem inclinava a cabeça sob a água. A simples ideia de molhar os cabelos gerava nele pânico absoluto. Diante de sua resistência a temas ligados à reencarnação, optei por uma abordagem mais sutil: introduzi a psicogenealogia, ciência que investiga os efeitos dos traumas herdados dos antepassados e que permanecem vivos no inconsciente emocional das gerações seguintes.
O conceito lhe interessou. Viu sentido nas repetições familiares ? inclusive no fato de ele ser a terceira geração de advogados. Diante dessa abertura, sugeri uma sessão terapêutica ali mesmo, no sítio, com a presença da esposa, e ele aceitou.
A travessia do inconsciente
Deitado no sofá, com a cabeça repousada no colo da esposa, iniciei uma condução suave, ancorada na paisagem afetiva do próprio sítio. Aos poucos, imagens desconexas foram surgindo ? até que algo emergiu com força:
? "Estou num avião... parece guerra... explosões!"
Com olhos fechados e voz trêmula, descreveu cenas que não reconhecia como parte da vida atual. Estava em meio a um conflito armado, dentro de uma aeronave atingida por tiros. O avião despencava sobre o mar. Ele, soldado, não sabia nadar. O desespero era visceral.
? "Os peixes estão devorando meu corpo..." ? murmurou com angústia.
Pedi que avançasse na linha do tempo. Ele então narrou a chegada de um barco à vela, tripulado por marinheiros vestidos de branco. Foram eles que o resgataram e lhe disseram:
? "Você está a salvo."
Ao despertar do transe, sentia-se aliviado. Disse que uma angústia antiga, inexplicável, havia finalmente desaparecido.
O mergulho da libertação
Convidei-o a ir até o chuveiro da piscina. Ainda hesitante, ele se aproximou. Com o apoio da esposa, permitiu que a água caísse sobre sua cabeça. Primeiro, em gotas tímidas. Depois, com o corpo inteiro sob o jato, começou a rir. Um riso solto, leve, de quem sente pela primeira vez a liberdade de não ter mais medo.
? "Livre! Livre! Livre!" ? gritava ele, emocionado.
As crianças acordaram com a algazarra. Ao verem o pai entrando na piscina, mergulhando, sorrindo, choraram e riram com ele. A esposa, em lágrimas, me abraçou com força, dizendo:
? "Essa dívida, eu nunca vou poder pagar."
No dia seguinte, quem cuidou da churrasqueira fui eu. A família permaneceu na piscina o dia inteiro, rindo, brincando, celebrando a leveza recém-descoberta.
Reflexão final: a memória que liberta
Este caso marcou minha trajetória não apenas como terapeuta, mas como ser humano. Ele confirma aquilo que a Terapia ANIMAPURA tem revelado com clareza: muitos sofrimentos atuais não nascem no presente, mas são ecos de vivências antigas ? desta ou de outras vidas ? que permanecem adormecidos no inconsciente emocional, aguardando liberação.
Traumas não curados se tornam prisões invisíveis. E, como aprendemos com esse homem e sua dor silenciosa, até o gesto simples de molhar a cabeça pode ser o gatilho de um passado jamais lembrado ? mas ainda sentido.
Que este relato toque sua alma e o convide a olhar para si com mais gentileza, abrindo espaço para o resgate de memórias e a libertação de medos que já não fazem mais sentido.